10.1.12
Postado por
Sávio Hackradt
Marie
Curie, nascida na Polônia e radicada na França, foi a primeira mulher a ganhar
o Nobel e até hoje é a única laureada em duas categorias do prêmio. O primeiro
deles, em 1903, foi concedido em parceria com o marido, Pierre Curie, junto com
Antoine Henri Becquerel, por estudos com radioatividade. Mas foi seu segundo
Nobel que mereceu as celebrações como foco central do Ano Internacional da
Química em 2011. Um século antes, Madame Curie ganhou sozinha o prêmio de
Química pela descoberta do rádio e do polônio, dois elementos radioativos. Nada
mais adequado, diante dessa homenagem, do que tratar dela e das mulheres na
ciência no último dia do ciclo organizado pela Fapesp e pela Sociedade
Brasileira de Química e divulgado por Pesquisa Fapesp todos os meses desde
maio.
Por Maria Guimarães*
“A
contribuição feminina na ciência é de um terço”, alertou a coordenadora,
Marília Goulart, da Universidade Federal de Alagoas. “Como será daqui a 10
anos?” Para ela, a ciência requer paixão e não é uma questão de gênero. Mas é
preciso políticas que favoreçam o equilíbrio entre cientista e mãe, uma divisão
de papéis que ainda causa dificuldades às mulheres nessa carreira que exige
dedicação absoluta. As palestras aconteceram no dia 9 de novembro e contaram
com a química Maria Vargas, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a
historiadora da ciência Ana Maria Alfonso-Goldfarb, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), e o cientista social Gabriel Pugliese, da
Escola de Sociologia e Política de São Paulo (veja o vídeo). Uma bancada dois
terços feminina, invertendo a predominância na ciência.
Poucas
ilustres
O
olhar sobre o papel das mulheres cientistas prometido no título de Maria Vargas
começou ali mesmo, dentro do auditório: Vanderlan Bolzani, professora da
Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e uma das organizadoras do
ciclo de conferências na Fapesp, foi a primeira mulher a presidir a Sociedade
Brasileira de Química, entre 2008 e 2010. Mas voltando no tempo, a pesquisadora
da UFF fez questão de dar destaque a Clara Immerwahr, que em 1890 pôs os
estudos à frente da proposta de casamento feita pelo químico Fritz Haber,
conhecido pela síntese da amônia. Cursou química como ouvinte e foi a primeira
mulher na Alemanha a ter o título de doutora, em 1900. No ano seguinte, porém,
aceitou o casamento e, talvez sem saber, assinou o fim de sua carreira
científica. Apesar de trabalhar com o marido, o nome de Clara nunca foi citado.
O casamento representou também o fim da própria vida, de certa maneira: ela se
opôs ao marido e ao país quanto à produção de armas químicas na Primeira Guerra
Mundial, que considerava uma “perversão da ciência”.
Em
protesto contra o papel de Haber na supervisão do primeiro ataque de gás na
história militar, ela, acusada pelo marido de ser traidora da pátria, se
suicidou em 1915, aos 45 anos. Uma mulher que poderia ter feito contribuições
para a ciência, assim, acabou entrando para a história pela coragem de
manifestar sua convicção pacifista sem ceder às pressões sociais e familiares.
Na
história do Prêmio Nobel, 40 mulheres já foram laureadas: apenas quatro em
química. A primeira foi Marie Curie, em 1911. Casada com o físico Pierre Curie
desde 1895, os dois faziam parte do trabalho em colaboração e, juntos,
descobriram que a pechblenda, um mineral descoberto por Becquerel, era rica em
polônio e rádio, dois elementos mais radioativos que o urânio. A dedicação à
vida de ciência, que ela conseguiu conciliar com a familiar, também custou caro
a Marie. Em 1934 ela morreu de leucemia, como muita gente que trabalhava com
química da radioatividade antes que se conhecessem os efeitos nocivos dessas
substâncias.
Em
seguida foi a vez no Nobel de sua filha Irène, que dividiu o prêmio com o
marido (e antigo doutorando de Marie Curie), Frédéric Joliot, em 1935. Depois
de Pierre e Marie Curie terem se destacado por estudos com a radioatividade
natural, sua filha alcançou a láurea máxima da ciência revelando a
radioatividade artificial, em que elementos que não teriam esse comportamento
são induzidos a serem radioativos. Como a mãe, Irène não foi eleita para a
Academia Francesa de Ciências – os respectivos maridos foram.
Outro
destaque de Maria Vargas foi para a britânica nascida no Egito Dorothy Crowfoot
Hodgkin, que se apaixonou pela química ao fazer um experimento de crescimento
de cristais de sulfato de cobre na escola. Desenvolveu a paixão com amplo apoio
dos pais, que lhe permitiram montar um laboratório no sótão de casa. Em 1945,
por meio de estudos de cristalografia, ela determinou a estrutura química da
penicilina, descoberta por Alexander Fleming 16 anos antes. Para transformar o
fungo em medicamento antibiótico, que mais tarde veio a salvar milhões de
vidas, era preciso sintetizar em laboratório a substância ativa. A descoberta a
conduziu, aos 47 anos e já com três filhos, a tornar-se membro da Royal
Society, a academia de ciências britânica.
Casada
com Thomas Hodgkin, um idealista de esquerda, ela conseguiu o reconhecimento
como pesquisadora e como mãe: foi dela a primeira licença-maternidade paga na
Universidade de Oxford. Dorothy também determinou a estrutura da vitamina B12,
trabalho que levou a várias aplicações médicas e lhe trouxe o Nobel em 1964.
Mais
recentemente, em 2009, a israelense Ada Yonath, do Instituto Weizmann, foi a
quarta ganhadora do Nobel de Química, por desvendar a estrutura do ribossomo,
uma estrutura celular central na produção de proteínas. Entre as laureadas, ela
é a única em que não há menção a casamento, por isso escapa à conclusão da
palestrante Maria Vargas: “Escolha bem o marido se quiser ter uma boa carreira
científica”.
Da
cozinha ao laboratório
Ana
Maria Goldfarb mergulhou na história até os registros da visão sobre
características femininas na Grécia Antiga de Aristóteles e Ptolomeu: entre
outras, ela listou fragilidade, doçura, covardia, volúpia, habilidade e
argúcia. Estas duas últimas hoje parecem positivas, mas na época eram vistas
como relacionadas ao conceito de techné, uma capacidade manual mais para a cozinha
do que para o laboratório. De qualquer maneira, o laboratório químico antigo
era repleto de caldeirões, por isso era território aberto às damas.
O
quadro mudou no século XVII, quando a nova ciência mandou as mulheres de volta
à cozinha. Mas algumas resistiram e continuaram suas pesquisas por meio de
associação com homens. Foi o caso da irlandesa Lady Ranelagh, que estimulou o
irmão Robert Boyle a estudar química em seu laboratório de destilação. A
projeção pelos estudos químicos que entrou para a história da ciência foi toda
dele, mas, de acordo com Ana Maria, a sombra da irmã transparece em todos os
seus escritos.
A
ciência superficial para salões teve destaque no século XVIII. Foi a época de
atividade do casal Lavoisier, em que Antoine ficou eternizado com o justo
título de criador da química moderna. Madame Lavoisier teve um papel menor, mas
era poliglota e desenhava esquemas dos experimentos feitos pelo marido e pelos
colegas. Permaneceu, porém, invisível, lamenta Ana Maria. “Ela precisava saber
bastante de ciência para separar o que interessava registrar.”
No
século XIX e no início do XX, a educação era por vezes vista como algo nocivo
para a própria saúde das mulheres e para as funções de esposa e mãe que
deveriam desempenhar. Mesmo assim, alguns trabalhos científicos eram
desempenhados pelas mulheres, que teriam maior capacidade de concentração
exatamente por terem a mente vazia de pensamentos e ideias, segundo declaração
do físico britânico James Chadwick citada por Ana Maria.
Foi
esse contexto que Marie Curie superou, mas sem conseguir realçar as demais
mulheres de seu laboratório, que permaneceram entre as muitas “ilustres
desconhecidas” da ciência. “Ela era um verdadeiro trator”, avaliou Ana Maria,
“passava por cima do que fosse necessário passar, além de ser boa
estrategista”. De outra maneira, teria permanecido ofuscada pelo marido.
Exceção
relativa
Foi
exatamente disso que tratou Gabriel Pugliese. A escolha de um bom parceiro,
como no caso do casal Curie, pode ao mesmo tempo abrir caminhos e sombreá-los,
ele mostrou. “Marie Curie teve sucesso como exceção na tradição de mulheres
invisíveis”, disse. Segundo ele, o trabalho dela sobre a descoberta da
radioatividade foi ignorado na Academia de Ciências até que o marido assumiu a
coautoria. Só aí se iniciou a discussão sobre o tema, que veio a se revelar
importante.
“Fazer
parte do casal permitiu a Marie Curie o acesso ao mundo científico, mas também
foi inviabilizador.” Para Pugliese, esse casal é um ilustre exemplo de como se
via a química e a física: a primeira faria parte do campo do fazer, das
habilidades manuais e portanto seria mais feminina, como já tinha mostrado Ana
Maria Goldfarb. Já a física exigiria pensamento teórico, uma capacidade mais
masculina. No que a radioatividade transcendeu a química e se aproximou da
física, a descoberta foi abraçada por Pierre Curie e rendeu ao casal o Nobel.
De Física.
Essa
identificação da física e da química com os estereótipos de masculino e
feminino ressalta o paradoxo do papel do casal para a ascensão da mulher a uma
posição de destaque na produção de conhecimento. E é esse paradoxo que Pugliese
destaca no livro que publicará em 2012, Sobre o caso Marie Curie. E que torna
irônica, do ponto de vista histórico, a homenagem do Ano Internacional da
Química a Marie Curie.
*Fonte:
revista Pesquisa Fapesp
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