13.1.12
Postado por
Sávio Hackradt
É
hora de o 'egossistema baseado no eu' dar lugar ao ecossistema de vários atores
sociais, diz economista do MIT
Carolina
Rossetti - O Estado de S.Paulo
As
mensagens de ano-novo dos líderes europeus deram o tom do que o continente pode
esperar em 2012. A chanceler alemã Angela Merkel assustou com o anúncio de
"um ano sem dúvida mais difícil". O presidente Nicolas Sarkozy
lamentou a crise não superada e preparou os ânimos dos franceses, que
"terão as vidas testadas mais uma vez". Já no Brasil, com um discurso
na mão contrária, a presidente Dilma Rousseff prometeu mais emprego e maior
crescimento, ainda que moderado. "Estamos transformando um momento de
crise em oportunidade e entrando numa era de prosperidade", garantiu ela
no rádio.
Diante de uma Europa em crise e consumida por interesses é preciso reinventar. Foto - Jon Nazca/Reuters |
Na
avaliação do economista alemão Otto Scharmer - que esteve em São Paulo em
dezembro a convite do Instituto de Democracia e Sustentabilidade -, a
presidente Dilma tem fundamento para algum otimismo. Enquanto os "egoísmos
nacionais" consomem a Europa e a "paralisia política" atrapalha
os Estados Unidos, ele calcula que o ano pode ser próspero por aqui.
"Grandes países como o Brasil têm enormes oportunidades, mas aproveitá-las
dependerá de um modelo econômico que leve em consideração os principais
desníveis da sociedade atual: o ecológico, o social e o espiritual". Três
fatores que identifica como pilares da crise global.
Otto
mora hoje em Boston, dá aulas no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e
é fundador do Instituto Presencing, centro de pesquisas de inovação e
empreendedorismo social e ambiental, sediado em Cambridge, nos Estados Unidos.
Na esteira de um ano de agito nas ruas, o economista avalia que entramos numa
era de ruptura. "Nosso desafio agora é conectar o mundo que está morrendo
com o outro que está sendo parido, dolorosamente, e nesse processo, reinventar
a economia, a educação e a democracia." Entenda como, a seguir.
A
bolha agrícola
"O
discurso da Europa e dos Estados Unidos é repleto de previsões sombrias. Na
verdade, qualquer um que entenda o básico de economia e política levanta
perspectivas desanimadoras na melhor das hipóteses. Então, o que está
acontecendo? Vejo três tendências coincidindo. Primeiro, a ascensão dos Brics e
o declínio relativo da Europa e dos Estados Unidos. Segundo, o temor de que a
bolha financeira no Ocidente resulte numa década perdida, como a do Japão. E,
terceiro, a ameaça de uma próxima bolha a estourar, a agrícola. A nossa
produção de alimentos não é sustentável e levou à destruição de um terço das
terras agricultáveis do mundo em 40 anos. Em paralelo, temos os egoísmos
nacionais na Europa e a paralisia política entre republicanos e democratas nos
Estados Unidos, o que impossibilita ao sistema político em ambos os continentes
chegar a respostas adequadas em relação a essas tendências. Toda crise é um
grande momento de oportunidade, mas, enquanto nos apegarmos ao passado, estamos
apenas fazendo mais do mesmo.
1,5,
2,5 e 3
"Não acho que seja
uma questão de otimismo ou de pessimismo. O que precisamos é de um novo modelo
de pensamento econômico que vá além do falso discurso que vemos atualmente no
Norte e no Sul. Esse discurso é o debate do século 20 entre os que são 'mais
mercado' versus os 'mais governo'. A resposta, naturalmente, não está nessa
dualidade. E sim em como podemos fortalecer a capacidade empresarial de inovar
em grande escala. Como podemos reinventar o velho Estado de bem-estar do século
20 para que o governo permita a atividade empreendedora em vez de subsidiar a
sua ausência? Grandes países como o Brasil têm enormes oportunidades, mas
aproveitá-las dependerá da adoção de um novo modelo econômico que leve em
consideração os três principais desníveis da sociedade de hoje: o ecológico, o
social e o espiritual. Ou seja, como nos relacionamos com a natureza, com os
outros e com nós mesmos. Resumo isso em três números: 1,5, 2,5 e 3. O primeiro
representa a crise ecológica. Apesar de termos um só planeta, degradamos nosso
capital natural numa escala brutal, usando os recursos de um planeta e meio, só
para manter o nível atual de consumo. O desequilíbrio se manifesta nos
desastres naturais, na escassez dos lençóis freáticos, nos preços de alimentos
que dispararam. O segundo número representa a crise social. Há 2,5 bilhões de
pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. O 3 dá a magnitude da crise
espiritual e expressa as taxas crescentes de depressão, exaustão e suicídio. No
ano 2000, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, três vezes mais pessoas
se suicidaram em relação àquelas que foram assassinadas. Políticas econômicas
cegas a essas três divisões vão trazer sofrimento às suas populações e aos
outros, mais cedo ou mais tarde. Na maioria dos casos, mais cedo.
Política
de portas abertas
"Sinto
que vivo em dois mundos. Um é o dos indicadores pessimistas que listei. Nele,
as pessoas reagem às notícias com negação ou cinismo. Não sou depressivo porque
vivo também num outro mundo, onde me conecto com os movimentos sociais, os
empreendedores, os inovadores. Eles estão nos governos e no setor privado,
começam com projetos pequenos, protótipos, ideias que vão amadurecendo e, às
vezes, viram incríveis histórias de mudança. De uns anos para cá, o Brasil iniciou
sua nova história. O país é uma inspiração, não só em termos de crescimento
econômico. Também criou um novo paradigma de desenvolvimento, mais inclusivo.
Outro exemplo concreto é a Indonésia. Depois dos atentados em Bali, em 2005,
muitos achavam que o país ia se transformar no próximo Afeganistão e,
basicamente, explodir numa guerra civil. Não aconteceu. Em vez disso, houve uma
transição pacífica para a democracia. Como? Pela reinvenção do processo
político e implementação de um modelo mais descentralizado de gestão, mais
conectado com as demandas da população. Na Província de Bojonegoro, que tive a
oportunidade de visitar esse ano, funcionários do governo se encontram
semanalmente com a comunidade e são cobrados pela população. O que se fez ali
foi fechar o ciclo de feedback entre governo e comunidade, eliminando uma
comunicação mediada pela corrupção por uma de diálogo. Foi uma maneira de
reinventar o processo democrático e fazer política com portas abertas.
Lições
do ano velho
"Em 2011, vimos
pessoas de todo o mundo se levantando contra instituições arcaicas baseadas na
exclusão, como as tiranias do Oriente Médio, Wall Street e os megabancos. Isso
me faz pensar que entramos numa fase da história que, em retrospecto, poderemos
descrever como uma era de ruptura. Um sistema está morrendo e outro, baseado no
diálogo, na inclusão de mais atores sociais, na autorreflexão e transparência,
está sendo parido, dolorosamente. Nosso desafio, enquanto agentes de mudança, é
fazer a conexão entre o mundo que está morrendo e o outro que quer nascer. E,
nesse processo, reinventar a economia, a educação e a democracia.
De
ego para eco
"Uma sociedade
4.0 é uma mudança de mentalidade. No passado, testemunhamos três estágios
econômicos. O primeiro, centrado no Estado, é o estágio do planejamento e
regulação. No segundo, viu-se o nascimento do setor privado, da competição como
mecanismo de coordenação. Isso gerou muito crescimento e problemas, pobreza e
desastres ambientais. Como resultado, veio o terceiro passo, de tentar amenizar
as consequências negativas do livre mercado. Assim nasceu a previdência, os
bancos centrais, as leis trabalhistas e os sindicatos. O que precisamos agora,
e essa é a grande história da década, é de um quarto mecanismo de coordenação
que vai complementar, não substituir, os outros três. Uma sociedade 4.0 é uma
transição de uma abordagem egossistêmica, baseada no "eu", para uma
conscientização compartilhada, que chamo de ecossistêmica. É uma situação em
que vários atores sociais olham para um mesmo problema e produzem respostas
espontâneas a partir de vários ângulos de visão. Vimos um pouco disso durante a
crise do euro. Na Europa, os interesses nacionais estão colidindo com os do
conjunto e não é fácil avançar além dos interesses de seu país. É um aprendizado
doloroso, mas é hora de os líderes refletirem sobre si mesmos e sobre como
evoluir, coletivamente. A próxima fase da evolução econômica dependerá do
aprendizado de como trabalharmos e criarmos juntos. Fazer parcerias entre
empresa, governo e sociedade civil. Inovar, não só em pequenos bolsões da
sociedade, mas globalmente."
Estação Música Total
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