7.1.12
Postado por
Sávio Hackradt
A
ideologia dominante é a do novo-rico, que conhece o preço de todas as coisas,
mas desconhece o seu valor
Estadão
- Olgária Chain Feres Matos*
O
movimento pela descriminalização do uso da maconha, a luta contra a corrupção,
a dos estudantes na USP pela retirada da Polícia Militar do câmpus
universitário, dos homossexuais contra a homofobia no Brasil, correspondem à
tendência neoliberal global de ocupação do espaço público - mas em um país que
não responde pela qualidade da formação educacional que garantiria o
fortalecimento da “vida intelectual” e do debate político. Que se pense, em
particular, no movimento pela liberação da maconha, que não desenvolve
reflexões sobre o sentido da disseminação de narcotizantes na sociedade de massa
e do consumo, a questão da cultura do excesso, cuja exemplaridade são as festas
rave e a música techno. Nos anos 80, Salvador Dalí, com todo seu surrealismo,
interpelado sobre o uso de drogas, respondeu que se deveria consumi-las no
máximo cinco vezes durante toda a vida. Ser Baudelaire ou Michaud, Omar Khayyam
ou Benjamin não é dado a muitos.
A dita classe A assumiu caráter predatório ao ignorar questões como transporte e educação - Foto Tiago Queiroz/AE |
Já
as mobilizações estudantis no Chile, ao contrário das contestações no Brasil,
têm sido contra a flexibilização dos currículos escolares e a redução da carga
horária nas disciplinas humanistas e formadoras, como literatura, línguas
estrangeiras, história, etc., a fim de barrar a desigualdade no acesso aos bens
culturais e a proliferação dos privilégios educacionais. O que manifesta a
consciência de que a educação não é um serviço do qual se é consumidor,
cliente, porque ela não é uma mercadoria.
Já
o movimento dos homossexuais, mais politizado porque em luta contra
preconceitos de que decorrem sofrimentos, não se interroga sobre a tendência
pós-moderna a indiferenciações do que é por natureza assimétrico, no que diz
respeito àquelas que existem entre as gerações, entre pais e filhos,
professores e alunos, masculino e feminino, isto é, o mal-estar identitário no
mundo contemporâneo. Quanto ao movimento pela “transparência”, tem a força da
indignação, mas não questiona a corrosão do sistema parlamentar, consequência,
hoje, da falência da escolaridade e da ética que a ela se vinculava quando a
educação, ao menos em seus princípios fundadores, humanistas e republicanos,
propunha, primordialmente, formar as crianças para fazer delas adultos mais
felizes e melhores.
Auspiciada
pelo dinheiro como valor hegemônico, a ideologia dominante é a do novo-rico,
que conhece o preço das coisas, mas desconhece seu valor. Se, em seu primeiro
espírito, o capitalismo se baseou na parcimônia e no não contraimento de
dívidas e no segundo valorizou o mérito e o trabalho como “dignificante” do
homem, seu estágio atual é “sem espírito”, entronizando o dinheiro como supremo
valor, dinheiro que, na aceleração do tempo, induz à pressa, os indivíduos
perdendo o gosto do pensamento, nada desejando aprofundar.
O
próprio amálgama de diversos delitos entendidos como corrupção (favorecimentos
ilícitos, informações privilegiadas, tráfico de influência, gratificações
indevidas, desvio de verbas públicas, suborno, omissões por interesses próprios
ou partidários, formação de cartéis), malgrado pontos em comum, atesta sua
fraca conceituação. E porque é mais fácil “derrubar o tirano do que as causas
da tirania”, a vigilância cidadã fica sujeita à demagogia, quando a opinião
pública é direcionada por interesses dissimulados, a defesa do bem público transgredindo
seus limites e invadindo a esfera privada e a da intimidade. Tais movimentos,
quanto mais conceitualmente confusos, mais vulneráveis à apropriação
oportunista.
Além
disso, as mobilizações contemporâneas se fazem com as novas tecnologias de
informação, nas quais tudo se passa “aqui e agora”. Essa temporalidade é a do
efêmero, mas em sentido pós-moderno, uma vez que ele se reduz ao episódico,
compensado pela visibilidade promovida pelas mídias. Sua lógica é a do
espetáculo que não se vincula a qualquer fundamentação teórica, adquirindo a
forma do “evento”. No passado, a vida se organizava no tempo longo e nos laços
duradouros, cuja “metafísica” subjacente dizia respeito à percepção da
impermanência de tudo, da lei do efêmero, da vanidade das coisas e da grandeza
do instante. As manifestações públicas e ocasionais contemporâneas se
constituem no âmbito de um vazio ideológico e no quadro do anti-intelectualismo
do mundo moderno, o que se expressa na pseudoparticipação popular e em governos
que se fazem através das mídias, pela televisão e pela propaganda.
Com
reivindicações particulares voltadas para si mesmas, esses movimentos não se
vinculam uns aos outros, resultando em particularismos. Há algum tempo, as
manifestações públicas repercutiam em toda a sociedade, chamada assim a delas
participar, ativamente ou por consentimento, ao que correspondia a lei
entendida como universal, pelo reconhecimento das diferenças das demandas
sociais, unificadas, justamente, na lei universalizadora. As mobilizações contemporâneas
têm seguidores que se reúnem em comunidades virtuais com sua solidariedade
pós-moderna, sem valores comuns admirados e compartilhados por todos.Walter
Benjamin caracterizou a modernidade capitalista como “pobreza da experiência” e
“experiência da pobreza”, mas nela identificou o novo. Pois essa pobreza “leva
a começar do começo, a retomar as coisas desde o princípio, a dar um jeito com
pouco, a construir com o pouco que se tem”.
Recorde-se
que o movimento que paralisou a França em 1968, de que decorreram desde o
movimento de emancipação feminina até a própria democratização das esquerdas
autoritárias e de seus partidos centralizadores - encontrando-se na base até
mesmo da queda do Muro de Berlim -, teve seu início com estudantes que
reivindicavam o direito de visita a suas colegas e namoradas em seus quartos de
estudantes.
Razão
pela qual os recentes movimentos no Brasil podem constituir o “princípio
esperança” do aprimoramento da vida política e do bem-viver em nosso cotidiano.
*Olgária
Chain Feres Matos é professora titular de filosofia da USP e autora, entre
outros, de Benjaminianas: Cultura Capitalista e Fetichismo Contemporâneo
(UNESP).
Estação Música Total
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