6.1.12
Postado por
Sávio Hackradt
CINEMA
– Por Carlos Emerenciano*
Considero
indispensável, vez em quando, que nos deparemos com certas situações que
funcionem como choque de realidade ao véu de ignorância, sob o qual,
confortavelmente, costumamos nos proteger. É o que vem ocorrendo comigo nos
últimos dias. A miséria tem batido à minha porta, avisando-me para não dar
ouvido aos boçais que berram, aos quatro cantos, que somos um país
desenvolvido. Aliás, bem ao estilo da surrada (e antes criticada) cantilena do
ame-o ou deixe-o.
Não
que eu queira, caro leitor, fazer coro aos profetas da desgraça ou mesmo me
transformar em desmancha-prazeres. Longe disso! Não sei se o fato de ser pai de
um filho com 10 meses de nascimento tenha contribuído para aumentar a minha
sensibilidade ao sofrimento alheio, principalmente quando envolve crianças que
deveriam receber toda a atenção do Estado e da Sociedade.
Desculpe-me,
caro leitor, mas é com esse estado de espírito que peço a sua atenção. Todas as
minhas reflexões voltaram-se, num primeiro momento, para a terrível herança de
injustiças sociais que, não nos enganemos, estamos longes de superar. Pousaram,
todavia, depois, na relação pai e filho, na vivência das dificuldades e da
importância de manter íntegros o respeito e a admiração na figura paterna.
Com
esse estado de espírito, não poderia escolher outro filme para a nossa conversa
semanal sobre cinema que não o essencial "Ladrões de bicicleta"
(Ladri di biciclette, 1948), do premiado diretor italiano Vittorio de Sica.
Essa obra-prima integra um conjunto de filmes que, por semelhanças no
tratamento estético e na contundência da crítica social, compõe o neorrealismo
italiano.
Deve
ser por essa razão e pela conhecida militância política de Vittorio de Sica,
que sempre se enfatiza, nos comentários e críticas sobre o referido filme, o
seu indisfarçável caráter político. As críticas às injustiças, à desumanidade,
à brutalização das pessoas são evidentes e reconhecidamente bem sucedidas. Ao
término do filme, qualquer homem de bem se questiona sobre a sociedade que
queremos e sobre o porquê da manutenção de um estado de coisas que nos faz
pensar vivermos em plena barbárie. Será que estou dramatizando ou os velhos,
mulheres e crianças que minguam em busca de atendimento médico, os meninos e
meninas que passam de ano sem nada aprender e as vidas que são ceifadas na
guerra do dia-a-dia me dão alguma razão?
Quero,
porém, enfatizar a comovente relação entre Antônio Ricci (Lamberto Maggiorani)
e Bruno (Enzo Staiola). Ricci sai, pelas ruas de Roma, em busca de emprego. Não
que a motivação seja insuficiente, mas não se trata apenas de questão de
sobrevivência e de levar o pão de cada dia para a mesa do paupérrimo lar.
Sobressaem-se, ao longo do filme, as trocas de olhares entre pai e filho que revelam
cumplicidade, afeto, reconhecimento. Em suma, o amor em sua forma mais pura.
O
pai, homem bruto e sem preparo intelectual, desdobra-se para arrancar, a cada
momento, a admiração do filho. Os percalços, no entanto, são enormes.
Furtam-lhe a bicicleta, justamente o instrumento essencial para manter o
trabalho que acabara de conseguir. Vittorio de Sica é o artesão que mistura, no
elenco, atores profissionais e pessoas do povo recrutadas de última hora,
emprestando à obra forte carga de realismo. As expressões, os olhares dizem
muito nesse filme de poucas falas.
Não
quero ir além. Espero ter conseguido estimulá-lo a assistir a essa obra que não
envelheceu. Antônio Ricci é uma espécie de Fabiano (Vidas Secas, 1938) da
cidade grande. Exatamente para onde o sertão continua a enviar Fabianos e
Riccis. Por sinal, há uma excelente adaptação do livro de Graciliano Ramos para
o cinema, dirigida por Nelson Pereira dos Santos. Mas essa, caro leitor, é uma
outra história.
*Carlos
Emerenciano - Apreciador de um bom filme, dividirá com os leitores suas
impressões sobre cinema todas as sextas-feiras.
Twitter:
@cemerenciano
e-mail:
aemerenciano@gmail.com
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