CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

11.2.12


Cory Doctorow, Guardian UK*

Há um ano, resenhei o livro The Net Delusion [A Net como ilusão], de Evgeny Morozov, análise cética do papel da internet nas lutas globais por justiça.

A ideia central da crítica de Morozov é o fato inegável de que Facebook, Twitter, YouTube e outras ferramentas de mídia social são monumentalmente inadequadas para usar em cenários revolucionários hostis, porque a repressão sempre será informada sobre locais de reunião, manifestações programadas e as causas dos protestos e manifestações; essas ferramentas expõem os usuários à violência de governos repressivos.

Mais ainda, revelam os laços sociais entre os dissidentes, facilitando a tarefa das polícias secretas, que podem cercar os movimentos sem precisar recorrer a recursos tediosos de gravações clandestinas e vigilância física, para saber quem prender.

Naquela resenha, argumentei que os riscos detectados nessas ferramentas não eram inerentes a elas. Nada impedia que se criasse uma ferramenta do tipo Facebook, que ajudou a galvanizar e organizar a resistência na Tunísia, sem expor os usuários ao risco de serem presos e torturados (para os principiantes: bastaria abolir a exigência de ‘nome verdadeiro’ do Facebook, e permitir que os usuários usassem pseudônimos).



Mas no contexto no qual nasceu Facebook – uma brincadeira que começou em Harvard e que se tornou poderosa máquina global de publicidade – não havia razão alguma para que alguém envolvido no design do sistema pensasse em torná-lo invulnerável a ataques de ditadores e seus apparatchiks.

Agora, que essa necessidade afinal apareceu, as pessoas que se preocupam com a dor dos que sofrem sob regimes opressivos podem trabalhar com os desenvolvedores de ferramentas que ajudem os usuários, sem os expor à repressão.

E, de fato, no ano passado, viu-se enorme quantidade de energia mobilizada nessa tarefa, que resultou no desenvolvimento de plataformas de ‘vazamentos’ como Wikileaks; de ferramentas que possibilitam o anonimato como Tor; e aumentou muito o número de usuários desses recursos.

Até aí, tudo bem. Mas ontem assisti à conferência de Ethan Zuckerman, 2011 Vancouver Human Rights, intitulada “Cute Cats and The Arab Spring” [Gatinhos Lindinhos e a Primavera Árabe], e percebi que Morozov e eu erramos, ambos. Zuckerman é diretor do Centro para Mídias Sociais do MIT [orig. MIT's Centre for Civic Media] e fundador do Geekcorps, uma ONG que manda técnicos para o mundo em desenvolvimento para trabalhar em iniciativas tecnológicas sustentáveis surgidas localmente[1].

Zuckerman sabe muito sobre a dura realidade do dia a dia do lugar da internet na luta pela liberdade de expressão e justiça, em alguns dos contextos mais brutais e nos regimes mais repressivos do mundo.

Vale a pena ouvir toda a conferência, mas interessei-me especialmente pela “Teoria dos Gatinhos Lindinhos” de Zuckerman, sobre a revolução internética.

O argumento de Zuckerman é o seguinte: embora YouTube, Twitter, Facebook (e outros serviços sociais populares) não sejam eficazes para proteger dissidentes, ainda assim são o melhor lugar do mundo para iniciar dissidências, por várias razões.

Primeiro, porque se o YouTube cai, numa internet nacional, todos percebem, não só os dissidentes. Mas se um governo repressivo censura uma página que expõe a brutalidade oficial, só os que conheçam a página saberão do ato de censura.

E quando o YouTube é censurado, todos os que adoram ver gatinhos lindinhos descobrem que sua página preferida está fora do ar; começam a perguntam por quê, e assim acabam descobrindo que há vídeos que comprovam a brutalidade oficial, e que o governo censurou o YouTube para impedir que as pessoas vissem a brutalidade oficial.

Segundo, a ferramenta mais amplamente utilizada por governos opressivos contra páginas de dissidentes é o DDoS, distributed denial of service [negação distribuída de serviço], quando se mandam enormes ondas de tráfego das redes de milhares de PCs alinhados, que provocam sobrecarga no servidor alvo e derrubam a internet.

Serviços como Twitter, Facebook e YouTube sobrevivem muito melhor a esses ataques, que uma página doméstica de dissidentes.

Finalmente, Zuckerman argumenta que a lição da Primavera Árabe é que revoluções são iniciadas por pessoas comuns, oprimidas por sofrimentos da vida diária – prisões arbitrárias, corrupção e brutalidade policial – e essas pessoas usarão a ferramentas que conheçam, para se manifestar.

A primeira ideia que lhe passa pela cabeça, depois de você capturar um vídeo para telefone celular que mostre a polícia assassinando alguém não é “Vamos ver se há alguma ferramenta construída para ativistas, que eu possa usar para passar adiante esse clip”. A ideia que ocorre é “Melhor subir isso no Facebook/YouTube/Twitter, para que todos vejam.” 

Esse último argumento é, para mim, o mais convincente. Embora ferramentas para ativistas sejam vitais para manter uma luta, elas jamais serão o primeiro recurso do sistema, quando acontecem os desastres.

O que implica que o único modo para garantir a segurança de ativistas, dissidentes e de todos que lutam contra a opressão, é, seja lá como for, convencer as pessoas que criam as ferramentas sociais mais populares a fortalecê-las para que suportem os confrontos das lutas reais.

Para começar, essa tarefa é dificílima. Mas é tornada ainda mais difícil ante as exigências dos governos “liberais” na Europa, Canadá, EUA e outras “nações livres”, que querem garantir que seus governos possam espionar os próprios cidadãos que apareçam nas mídias sociais.

Acrescente-se a isso a insanidade de leis como, nos EUA, a Lei Antipirataria [orig. Stop Online Piracy Act (SOPA)], que exige dos serviços que espionem os usuários e deletem links com conteúdo não permitido, e o problema torna-se ainda mais difícil.

Não é quadro estimulante. Mas, pelo menos, nos oferece um mapa do caminho.

Primeiro, temos de convencer nossos próprios governos de que, quando mandam espionar atrás das portas e apagar links das mídias sociais, garantem as mesmas capacidades também aos ditadores.

Segundo, é preciso fazer a conexão entre a aplicação das leis de copyright e a correspondente fiscalização e as lutas globais contra a injustiça, explicando sempre, tantas vezes quantas sejam necessárias, que é impossível ter um sistema que impeça a espionagem por polícias secretas, e permita a espionagem pelas majors das comunicações e mídia.

Finalmente, temos de convencer os empresários de que é do interesse deles promover as mudanças de arquitetura de sistemas que protejam seus usuários de prisões arbitrárias, tortura e assassinato, quando fizerem a transição não planejada, das páginas de gatinhos lindinhos para as páginas de denúncias de atrocidades.

Mas é 2012, e há anos pela frente. Vamos trabalhar.
+++++++++++++++++++++++++++++ 


[1] Para avaliar o que Zuckerman sabe do mundo, ouçam sua conferência em http://www.ted.com/talks/lang/pt/ethan_zuckerman.html (fala até de “Cala boca, Galvão”). A ignorância dos norte-americanos sobre o mundo e a ilusão em que vivem, de que sempre conseguirão aprender rápida e facilmente o que não sabem, é REALMENTE IMPRESSIONANTE [NTs].

*Tradução do Coletivo de Tradutores Vila Vudu

0 comentários:

Postar um comentário


Estação Música Total

Últimas do Twitter



Receba nossas atualizações em seu email



Arquivo