CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

6.2.12


“COISAS DA VIDA”

Por Leide Franco* (@LeideFranco)

Lembro-me muito bem de um tempo, lá por volta dos meus 7 anos de idade, onde de vez em quando alguém me despertava e trazia de um mundo longe, que era bem ali. Vivia tentando entender o que estavam pensando aquelas pessoas que passavam de um lado a outro da avenida. Questionava-me, sem resposta alguma, o que teria feito aqueles homens, mulheres e meninos saírem de casa e se estivessem em casa, o que estariam fazendo... Eu tinha milhões de perguntas sem respostas, e ainda tenho mais outros milhões!

Recordo fielmente que adorava deitar de barriga para cima no ‘colo’ da minha mãe que ficava sentada em sua cadeira de balanço azul marinho, na calçada em frente de casa, enquanto ela e os vizinhos conversavam histórias intermináveis, em um tempo calmo. Deitada, ficava de cabeça para baixo. Passava vários minutos naquela posição até sentir todo o sangue esquentado as minhas bochechas. Olhava tanto o céu a ponto de quando tirava os olhos do seu infinito e virava a cabeça para outra dimensão, não conseguia enxergar mais nada, era como se o mundo inteiro fosse um céu... E era!


O que mais me prendia naquela posição de ver o mundo de baixo para cima, por outro ângulo, era a sensação que dava de estar entregue a uma imensidão muito mais incalculável do que já era tudo aquilo. As estrelas deixavam de ser apenas pontos faiscantes na cor escura do céu à noite, eram vida que piscavam, pulsavam, cada qual já era uma constelação.

Esse tempo passou e se eu soubesse que aquela vontade de querer crescer era sinônimo de responsabilidade, decepções e de enxergar o mundo olhando de frente, tal como se apresenta sem passar a mão em nossa cabeça e sem nem sempre dizer sim, eu não teria pedido tanto para ser gente grande, para ter 15 anos e depois 18, 28... Depois que a gente cresce, vai esquecendo-se de observar as coisas simples da vida, pois nos ocupar vendo as mais complicadas requer mais espaço do nosso tempo.

Eu que um dia pedi tanto para crescer, pois invejava os que podiam sair a sós de casa... Eu que contava os dias para ser grande no tamanho, pois não queria precisar da ajuda de ninguém para pegar a lata de leite e o achocolatado na parte de cima do armário, para comer no copo com colher até ficar intoxicada e depois ir ao médico tomar aquela injeção de anti-histamínico... Pois é... Eu TINHA alergia a chocolate!  Eu que queria tanto poder subir em um ônibus e ir à praia sem precisar da ajuda de ninguém... Logo eu... Hoje queria voltar a ser criança de novo!

Gostaria de poder voltar a acreditar que tudo é possível, que as pessoas são tão boas quanto parecem e não carregam maldade em suas ações explícitas ou escondidas. Adoraria poder voltar a ficar em êxtase com uma simples boneca desengonçada de pano, feita à mão, pela minha avó ou até mesmo com o vestido de bolinhas de chita, presente de aniversário.

Hoje eu só queria voltar a ser criança para poder desconhecer o significado da palavra decepção e nem saber que ela é conjugada por tantas pessoas. Queria voltar no tempo para crer de novo que o para sempre era para sempre mesmo e não acabava! Então, eu queria voltar naquele tempo em que podia chamar qualquer um de amigo e tê-lo assim pelo resto da vida, pelo tempo eterno enquanto durasse.

Mesmo depois dos 30, 40 anos vou continuar com essa vontade de não querer ter crescido, pois enquanto esse desejo continuar vivo dentro de mim, eu vou saber do quanto sempre fui feliz e não sabia. Toda vez que essa nostalgia com gosto de algodão doce, de pique-esconde, de amarelinha, de pular corda até esfolar o dedão do pé ou arrancar a unha, aparecer, eu vou querer voltar no tempo... Sempre que eu me lembrar que o maior desafio do meu mundo naquele tempo foi aprender a se equilibrar sobre aquelas duas rodas da bicicleta e que o meu maior compromisso era sair de casa para ir à escola, eu vou querer voltar no tempo... Sempre que eu lembrar do cheiro da terra molhada que construía casas e castelos e dos brinquedos inventados, criados, eu vou querer voltar no tempo... Também sempre que eu lembrar que a maior preocupação do meu mundo era não perder o capítulo da novela Carrossel, eu vou querer voltar no tempo... E sempre que essas saudades baterem, eu vou querer voltar no tempo, só para ficar ainda mais certa de que a nossa criança não morre dentro de nós, mesmo quando crescemos e viramos gente grande e não podemos voltar no tempo...

*Leide Franco - Comunicadora com pretensões literárias; 
Um pouco de filosofia e reflexões cotidianas; 
Um muito de MPB
E quase nada do que ainda quero ser. 
Escreve às segundas-feiras.

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