10.2.12
Postado por
Sávio Hackradt
CINEMA
Por
Carlos Emerenciano*
“Bandido
bom é bandido morto”. “Morreu? Menos um”. “Pena de morte já”. São frases que
comumente ouvimos, após ocorrerem fatos violentos que obtenham ampla cobertura
da imprensa. Fatos que costumam desencadear reações em série, principalmente em
tempos de divulgação instantânea, via internet. Basta que alguém, com
visibilidade social, repercuta certa ideia - por mais absurda que venha a ser -
para que outros a incorporem, passando-a adiante, sem a mínima ponderação.
Busquemos, então, lições cinematográficas que nos auxiliem a refletir.
Toda
essa ebulição em torno do tema me faz lembrar do discurso de Marco Antônio, em
“Júlio César” de Shakespeare. Recomendo assistir ao filme homônimo de 1953,
adaptado da peça. Trata-se de uma das mais bem realizadas adaptações da obra do
dramaturgo inglês. Dirigido por Joseph L. Mankiewicz (“A malvada”/ All about
Eve, 1950; “Um americano tranquilo”/ The quiet
american, 1958; “Cleópatra”/ Cleopatra, 1963), o filme, de elenco renomado,
traz um jovem Marlon Brando no papel de Marco Antônio.
Voltemos
à história: após o assassinato de Júlio César, a turba saúda os conspiradores
como heróis, por terem lhe devolvido a democracia. Isso até as palavras do
grande tribuno interpretado por Brando, diante do corpo inerte do General
romano. Ele inicia exaltando repetidamente as qualidades de Brutus (James
Mason), até então festejado pela massa, “... E Brutus é um homem honrado”, mas
direciona o seu discurso no sentido de que as pessoas reflitam sobre o legado
de César (Louis Calhern), tido por aqueles que o mataram como ambicioso e
deturpador dos valores republicanos.
Pacientemente,
o hábil orador reverte a percepção dos presentes, insuflando-os contra os
conspiradores, entre eles Brutus. Sem perder, porém, a humildade: “... eu não
vim para roubar seus corações. Eu não sou um bom orador como Brutus. Sou um
homem simples e direto, que amo os meus amigos”. Resultado: ao final do
discurso, a massa, ensandecida, sai à caça dos antes festejados heróis, para vingar
a morte de César.
Não
pensem que ocorre de maneira diferente nos nossos dias. Com os fantásticos
recursos tecnológicos e com o arsenal de informações que nos é disponibilizado,
desistimos, muitas vezes (preguiça), de refletir sobre os fatos sociais com a
devida ponderação e somos levados ao sabor do vento, da mesma forma que a plebe
romana era levada, de um extremo a outro, por hábeis oradores. Terreno fértil
para os que almejam um recrudescimento excessivo das leis penais, defendendo,
entre outras medidas, a adoção da pena de morte.
Isso
não quer dizer, caros leitores e leitoras, que eu discorde de qualquer
proposição que, eventualmente,
torne mais rigorosa a lei penal e a sua aplicação. Apenas não aceito a panaceia
de que reside aí a solução para reverter o processo de violência crescente que
vivenciamos. Nem parece que “Dos Delitos e das Penas (1764)”, obra-prima de
Cesare Beccaria, esteja prestes a completar 250 anos. O autor fulminava com a
existência da pena de morte e de práticas como a tortura na obtenção de provas.
Defendia um sistema que não se alicerçasse na vingança como objetivo maior da
pena, o que acaba, convenhamos, por reduzir o Estado a mero executor de
caprichos humanos.
Lembrem-se,
portanto, antes de aderir a esses arroubos, que o filósofo, jurista e literato
italiano nos ensinou, com propriedade, que "a perspectiva de um castigo
moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago
temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança
de impunidade". Palavras que poderiam muito bem se aplicar à sociedade
brasileira: a violência, meus caros, alimenta-se da impunidade!
Desse
modo, todas as vezes que alguém fala em pena de morte, lembro das lições de
Beccaria para não me deixar levar pelo discurso fácil. Recorro, também, a um
belo filme: “Quero viver!” (I want to live!, 1958). Baseado em fatos reais, a
obra dirigida por Robert Wise (“Amor sublime amor/ The west side story, 1961;
“A noviça rebelde/ The sound of music, 1965), conta a história de Barbara
Graham, uma mulher que seria, certamente, taxada de “perdida” pela nossa
sociedade. Já tendo no seu “curriculum” uma condenação por perjúrio e prestes a
perder a guarda de seu filho por abandono, Barbara, em brilhante interpretação
de Susan Hayward (Oscar de melhor atriz), foi acusada de assassinato. E todos
os indícios (reais ou forjados) apontavam no sentido de que aquela mulher era
realmente a autora do crime.
A
plateia sabe, todavia, que a personagem é inocente (apesar da vida desregrada e
dos muitos erros que havia cometido) e passa a compartilhar do seu drama.
Barbara se mostra desesperada pela proximidade de ser condenada e punida,
injustamente, com a pena máxima (uma das atuações marcantes da história do
cinema). O filme constitui, nesse sentido, um libelo e um grito de socorro a
todos: não se arrisquem a sacrificar, no altar da arrogância e da precipitação,
pessoas inocentes.
*Carlos Emerenciano - Apreciador de um bom filme, dividirá com os
leitores suas impressões sobre cinema todas as sextas-feiras.
Twitter: @cemerenciano
e-mail: aemerenciano@gmail.com
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