CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

9.12.11


CINEMA – Por @cemerenciano*

Não espere, caro leitor, tratar-se de circo à lá du Soleil ou similar, onde palhaços bem nutridos e acrobatas musculosos fazem a alegria de quem se dispõe a pagar, no mínimo, 1 centena de real, por um espetáculo refinado e cheio de salamaleques. Refiro-me àqueles que possuem a esperança, nome atribuído à paupérrima casa circense, como um dos poucos alimentos que lhes motiva a levantar todos os dias e continuar a jornada.

É essa a matéria-prima de “O Palhaço”, dirigido e estrelado por Selton Mello, filme que vale a pena assistir. Antes de continuar, porém, aviso: se você for um daqueles mal acostumados com as frenéticas películas de ação hollywoodianas e não tiver a mínima paciência de apreciar a sensibilidade na tela, não continue a ler a humilde crônica e nem perca tempo indo ao cinema. O próprio diretor e ator nos adverte, brincando: trata-se de filme analógico em plena era digital.

Benjamin (Selton Mellon) é, no palco, o Palhaço Pangaré. Cansado do dia a dia de dificuldades e miséria, vive uma crise de identidade. Não sabe se continuará a trajetória que herdou do pai (Paulo José), seu companheiro de cena. Benjamin, quando despido da caracterização de palco, mostra-se triste e sorumbático. Chega a interrogar-se: “se faço todos rirem, quem me fará rir?”. Acumulando as funções de palhaço e coadministrador do Circo Esperança, o personagem parece que vai sucumbir.

Em meio a esse dilema psicológico, a trupe segue o seu rumo e outros personagens se delineiam. Na pele de um deles – o Palhaço Puro-Sangue - Paulo José encanta. Parece que o ator veterano se esmerou na arte de pouco fazer ou dizer e, ainda assim, nos passar todas as emoções  de um personagem. O velho palhaço namora uma jovem cuspidora de fogo que vive lhe corneando e roubando-lhe os míseros trocados. Não pensem, porém, que tudo se passa à revelia do artista.

Em certo momento das - hora tristes, hora divertidas - andanças, o velho palhaço conversa com um sertanejo que revela sua filosofia: “o gato bebe leite, o rato come queijo e eu faço o que sei fazer”. É assim. O filme homenageia o simples, o puro, o pé no chão, o explorado – onde chegam, os pobres artistas circenses têm que dividir seus trocados com pessoas corrompidas. Uma delas, o delegado interpretado por Moacyr Franco, rouba a cena em poucos minutos.

Selton Mellon revelou ser o filme uma homenagem a diretores como Federico Fellini – a alusão a La Strada é evidente – e Ettore Scola. Destacou também a referência aos Trapalhões.  Particularmente, no que tange ao querido quarteto brasileiro, lembrei-me da adaptação de “Os Saltimbancos”, com as inesquecíveis canções de Chico Buarque.

Não me alongarei mais. O meu objetivo, caro leitor, é o de instigá-lo, se ainda não tiver ido, a assistir “O Palhaço”. Creio que a exploração da temática “violência urbana”, da qual o cinema nacional extraiu sucessos de bilheteria como “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite I e II”, cansará. O nosso cinema, valendo-se desse repertório, demonstrou ter apurado a sua técnica. Precisamos, no entanto, ir além. Jovens diretores como Selton Mello nos dão esperança de que surgirão filmes que busquem, nos elementos do cotidiano, o universal - miséria, traição, pequenez e, ao mesmo tempo, alegria, solidariedade, perdão. Histórias que nos encantem e façam rir e chorar.

*Carlos Emerenciano - Apreciador de um bom filme, dividirá com os leitores suas impressões sobre cinema todas as sextas-feiras.
Twitter: @cemerenciano
e-mail: aemerenciano@gmail.com

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