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Sávio Ximenes Hackradt

27.12.11


Depois da revista Time eleger o “manifestante”, em termos genéricos, como Personagem do Ano, Daniel Ellsberg disse que Manning deveria ser a cara visível desse manifestante.
Por Amy Goodman*, no Portal Vermelho

O soldado Bradley Manning, acusado de fornecer informações secretas do governo dos Estados Unidos, completou 24 anos no sábado. Passou o dia do seu aniversário em uma audiência anterior ao julgamento de um tribunal militar que pode condená-lo à prisão perpétua ou até mesmo à pena de morte. As Forças Armadas acusam Manning de realizar a maior divulgação de dados sigilosos da história do país.

Voltaremos a Manning mais adiante. Antes, vamos recordar o vazamento do qual o acusam. Em abril de 2010, o site de denúncias WikiLeaks, que publica conteúdo fornecido por informantes, postou um vídeo chamado “Assassinato Colateral”. Trata-se de um arquivo secreto das Forças Armadas dos Estados Unidos de julho de 2007, gravado de um helicóptero Apache que sobrevoava Bagdade. O vídeo mostra um grupo de homens caminhando para, em seguida, serem assassinados, um após o outro, por uma chuva de disparos de metralhadora que vem da aeronave. A comunicação entre os soldados no rádio narram o massacre. De uma linguagem fria e metódica, a narrativa passa para um cruel e entusiasmado discurso. Duas das pessoas que morreram eram funcionários da agência de notícias Reuters: o repórter-fotográfico Namir Noor-Eldeen e Saeed Chmagh, seu motorista.

O famoso informante Daniel Ellsberg, responsável por divulgar os chamados “Documentos do Pentágono”, que ajudaram a por fim a guerra do Vietname, é um veterano da armada que treinou soldados nas leis da guerra. Ellsberg explicou-me: “Nas imagens divulgadas, dá pra ver que os soldados atiram em civis desarmados que claramente estão feridos (...). Não tenho dúvidas de que esse incidente constitui um homicídio. É um crime de guerra. Nem todas as mortes que acontecem em uma guerra constituem um homicídio, mas em muitos casos, sim. E esse é um deles”.

Meses depois, WikiLeaks publicou os Diários da Guerra do Afeganistão, que continham dezenas de milhares de informações militares relatadas da frente de batalha. Em seguida, o site publicou os Diários da Guerra do Iraque, que continha cerca de 400 mil registros militares da guerra dos Estados Unidos no Iraque. Logo depois, veio o Cablegate, a publicação – com o respaldo de importantes veículos de comunicação, como o The News York Times e o The Guardian – de uma sucessão de telegramas secretos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que inclui mais de 250 mil documentos que vão de 1966 a 2010. O conteúdo dos telegramas foi altamente comprometedor para o governo Yankee e causou comoção em vários cantos do mundo.

Alguns documentos diplomáticos publicados, que detalhavam o apoio dos Estados Unidos ao regime corrupto tunisiano, contribuíram para o levante no país árabe. Depois da revista Time eleger o “manifestante”, em termos genéricos, como Personagem do Ano, Ellsberg disse que Manning deveria ser a cara visível desse manifestante. Foi o suposto vazamento do jovem soldado que “contribuiu com o levante na Tunísia e a ocupação na Praça de Túnez, que foi rebatizada com o nome de outro rosto que poderia ser a personificação do manifestante: o de Mohamed Bouazizi. Após as revelações do WikiLeaks sobre a corrupção em seu país, Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo em sinal de protesto. O suicídio desencadeou os protestos pacíficos que derrubaram o então presidente Ben Ali. Tal facto, por sua vez, impulsionou o levante no Egipto, que imediatamente inspirou o movimento Occupy Wall Street e todas as demais manifestações no Médio-Oriente e no resto do mundo”.

Outro documento recentemente publicado como parte do Cablegate expõe os detalhes de um suposto massacre realizado em 2006 por soldados estadunidenses na localidade iraquiana de Ishaqi, ao norte de Bagdade. Onze pessoas foram assassinadas. O documento detalha relatos de testemunhas que afirmam que as pessoas, entre elas cinco crianças e quatro mulheres, foram presas e logo executadas com disparos na cabeça. Em seguida, as forças armadas bombardearam a casa onde moravam, supostamente para esconder o incidente. Esse tipo de ataque fez com que o governo iraquiano optasse por deixar de outorgar imunidade aos soldados dos Estados Unidos no seu país. O presidente Barack Obama respondeu ao facto mediante o anúncio de que retiraria os soldados de lá. Se Manning, um Ellsberg dos nossos tempos, é realmente culpado da acusação do Pentágono, ele contribuiu então para acabar com a guerra do Iraque.

Voltemos a centrar nossa atenção na sala de audiências de Fort Meade, Maryland. Os advogados de defesa descreveram o panorama de uma base de operações caótica, com muito pouca ou nenhuma supervisão e sem nenhum tipo de controle sobre o acesso dos soldados a informação confidencial. Apresentaram também Manning como um jovem de uniforme em conflito com sua identidade sexual na época da política “não perguntar, não dizer”. O jovem teve diversos ataques de fúria, destruiu móveis e em uma ocasião chegou a dar um soco na cara de um superior, sem receber nenhum tipo de castigo por isso. Seus companheiros da base afirmaram que não deveria ter sido enviado a uma zona de guerra. No entanto, ficou numa até que foi preso há 18 meses.

Depois da sua prisão, Manning permaneceu completamente isolado durante a maior parte da sua detenção em Quantico, Virginia, em condições tão duras que o relator especial das Nações Unidas sobre a tortura está investigando sua situação. Muitos crêem que o governo dos Estados Unidos está tentando destruir o jovem para utilizá-lo no caso de espionagem contra o fundador do WikiLeaks, Julian Assange. É ainda uma forma de enviar uma mensagem intimidante para qualquer potencial informante: “Vamos acabar com você”.

No momento, sabe-se que Manning está ameaçado e que pode enfrentar a pena de morte por “ajudar o inimigo”. O tribunal citou palavras textuais que o ex-soldado supostamente teria escrito para Assange como prova de sua culpa. No correio eletrónico, Manning descreve a divulgação como “um dos documentos mais importantes do nosso tempo, que dissipou as dúvidas sobre o conflito bélico e revelou a verdadeira natureza da guerra desigual do século 21”. A história sem dúvidas vai utilizar as mesmas palavras como prova irrefutável da valentia de Bradley Manning.

*Amy Goodman é co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.Artigo publicado em "Democracy Now" em 23 de dezembro de 2011.

Nota: Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisto por Bruno Lima Rocha para a Estratégia & Análise. Revisto para português de Portugal por Luís Branco.

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