CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

5.12.11


“Coisas da vida” – Por @LeideFranco*

Há muito lirismo na expressão “morrer de saudade”. Frase presente nas veias dos poetas de ontem, nos de hoje e na corrente sanguínea dos que nunca pensaram em um dia ser. Não precisa nem ficar distante do objeto pra sentir saudade. Pode estar aí ao seu lado, tão próximo e tão longe que o espaço físico curto não surte efeito algum, nem pouco faz diferença. Faz falta, provoca estado agudo de saudade se  realmente fizer falta.

Sempre suspiro mais profundamente quando encontro a brecha, a chance, a oportunidade de dizer que minha avó Regina morreu de saudade. Faz 15 anos que relato essa história. Lembro disso tão próximo e sinto tanta saudade de ouvi-la dizer que estava morrendo de saudades do meu avô... A gente dizia que no porto no qual ele estava atracado, ele também estava sentindo o mesmo e que seus olhos não morava tristeza menos profunda que a sua.

 ‘Vó’ Regina morria lento, aos poucos, aos pedaços, célula por célula, pensamento por pensamento, falta por falta...

Eu chegava no silêncio que era a casa dela todas as manhãs, era um compromisso de mim para com essa história que conto hoje, quando eu nem pensava que iria contar com essa saudade deles. Lá, naquele universo pequeno e muito dela, com colchas de retalhos em duas faces – cada uma de uma cor diferente, pra não se repetir; almofadas de fuxico coloridas; o fogão de duas bocas sempre com algum vapor saindo da panela, com um bom aroma preenchendo o ar, geralmente era algum tipo de carne bem temperada; a mesa que nunca faltava farinha torradinha, rapadura, garrafa térmica de café sempre cheia na espera, no vício e no costume dele...

Nesses dias mais constantes das minhas visitas, quando eu tinha meus curtos 13 anos de idade, findava o mês de junho. Fazia cerca de dois meses que meu avô teria adoecido do nada aparente e em uma semana largou o mundo da sua poltrona, do seu rádio à pilha velhinho, dos passeios nas casas dos filhos em busca de um café sempre fresco, forte e doce, daquela camisa verde quartel com dois bolsos abotoados na altura do peito robusto e forte. Ele largou, deixou nesse espaço de cá onde a gente vive a sua inseparável caixa de fósforos olho e cigarro de fumo que sempre fazia e deixava nos bolsos da calça de tergal marcada por um vinco forte feito de ferro “movido” à brasa.

Enquanto os dias passavam, minha avó se aprofundava numa falta dele. Essa ausência do meu avô Luiz, tão doce e triste que morava nos olhos dela e em suas poucas palavras que de tão poucas pareciam apenas uma: saudade. Doía muito na gente que de mãos atadas ficávamos porque ninguém sabia com que remédio curava-se saudade, nem tampouco que médico poderia tratar dessa enfermidade. Tudo, ao longo dos próximos dois meses, que somavam-se 4 desde que ele sei foi, passou a girar em torno dessa falta que ela sentia, do pouco que ela sentia além disso - um quase nada e da nossa preocupação impotente. Seu café já não cheirava mais por não ter quem tomá-lo, o feijão verde já não tinha mais sabor... Sua vida não fazia mais nenhum sentido.

Era um 17 de dezembro, ela mais nada falava, nenhuma expressão externava o tamanho de sua dor, nenhum médico, curandeiro e/ou pastor de Igreja sabia diagnosticar sua inércia de vida, ninguém decifrava seu problema... Na verdade e o que dias depois a gente veio saber é que não existia médico pra curar saudade aguda penetrada na membrana mais fina e profunda da alma. Sete dias depois, dia 23 de dezembro, seis meses EXATOS passados da morte dele, ela morreu, para enfim matar toda a sua saudade... E o atestado de óbito, esse nada de palpável e estudado pôde explicar.

*Leide Franco - Comunicadora com pretensões literárias; 
Um pouco de filosofia e reflexões cotidianas; 
Um muito de MPB
E quase nada do que ainda quero ser. 
Escreve às segundas-feiras.

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