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Sávio Ximenes Hackradt

13.1.12

CINEMA – Por Carlos Emerenciano*

Deitado numa rede, balançando no ritmo do vai e vem das ondas, pensava sobre o tema da nossa conversa semanal. Por sorte, o barulho dos paredões de som que insistem em tirar nosso sossego, havia cessado. Escutava apenas o sussurrar do vento, aquele som gostoso do mar, as palhas dos coqueiros se movendo e, aqui e acolá, o canto de um pássaro destacando-se como solista dessa sinfonia. O cochilo foi inevitável. Com ele, surgiu, na minha mente, a música tema do filme “Verão de 42” (Summer of 42, 1971), parte da trilha sonora de Michel Legrand, premiada merecidamente com um Oscar.

Em momentos como esse, as recordações, inevitavelmente, aparecem. São os filmes de nossas vidas que passam na nossa retina. A voz de fundo, a contar a história, é a da nossa consciência. Acredito ter sido exatamente essa a intenção de Robert Mullingan ao dirigir “Verão de 42”. Uma voz madura narra o filme. Uma voz nostálgica. A fotografia apresenta tons pastel, algo esmaecido pelo tempo, como as fotos de nossa infância. A trilha sonora é belíssima, triste, melancólica. Capaz de, por si só, arrancar-nos lágrimas. Apenas um tom abaixo da beleza estonteante da atriz Jennifer O'Neill, que interpreta a personagem Dorothy, uma jovem “coroa” de vinte e poucos anos.

Carente por estar longe do marido que serve como piloto na 2ª Grande Guerra, Dorothy se envolve – um amor de verão - com um adolescente, Hermie, interpretado por Gary Grimes. Jennifer O'Neill, caro leitor, é o objeto de desejo e fantasias de qualquer adolescente. Confira, por favor, no vídeo abaixo ou no Google, e diga se não tenho razão. Fica fácil, portanto, para os homens identificarem-se com o personagem vivido por Grimes. Alguns poucos, porém, tiveram a felicidade de viver experiência semelhante àquela.

O leitor deve estar se perguntando o porquê desse filme, que aborda tema tão corriqueiro na história do cinema, merecer ser lembrado. Na verdade, é uma conjunção de fatores já revelados, creio, na nossa conversa. É um filme de orçamento baixíssimo, mas muito bem elaborado e com escolhas muito felizes. O diretor, o mesmo de “O sol é para todos” (To kill a mockingbird, 1962), estrelado por Gregory Peck, é competentíssimo. A trilha sonora de Michel Legrand imortalizou-se. A atriz principal - vale a pena repetir - lindíssima e, igualmente, competente. O ator que vive o adolescente é um tipo comum, não se enquadrando no estereótipo do galã. Isso torna mais fácil a nossa identificação com ele. Já falei também da fotografia e da narração.

O “Verão de 42” não chega a ser uma obra-prima, mas, certamente, é um daqueles filmes que não cansamos de assistir. Numa das minhas cenas preferidas, Dorothy pede a Hermie que segure uma escada enquanto ela sobe para guardar alguns objetos. A lindíssima “coroa”, com um short curtinho, faz o camarada suar e palpitar forte, tornando a simples tarefa, missão difícil.

Revelou-se depois que a história é uma adaptação de experiência vivida pelo roteirista Herman Raucher. Várias Dorothys escreveram, então, assumindo-se como aquela do filme. Foi fácil, porém, ao roteirista identificar, entre elas, a verdadeira. Havia casado novamente e já era avó. Não se sabe, obviamente, se havia sido tão bonita quanto a personagem interpretada por Jennifer O'Neill.
Volto, então, ao filme da minha vida. De onde estou, dá para avistar o local em que vi Renata (minha mulher), pela primeira vez. Há 17 anos. Desfilava ela a caminho de sua casa de praia, bem ao ritmo de “A garota de Ipanema”. Eu, que não sou nenhum Vinícius, tomava a minha cervejinha. Nunca mais esqueci a cena, nem tampouco a mulher. De repente, as minhas reflexões são interrompidas por um balbuciar de criança. É o meu filho Arthur, nos braços da mãe, exigindo atenção. Uma história que se iniciou num verão.

*Carlos Emerenciano - Apreciador de um bom filme, dividirá com os leitores suas impressões sobre cinema todas as sextas-feiras.
Twitter: @cemerenciano
e-mail: aemerenciano@gmail.com




1 comentários:

  • Belo texto, e mais belo ainda o arco que se inicia com um pai deitado numa rede enquanto pensa neste post e finaliza com o som do filho clamando pela mãe, na melhor e mais prazerosa de todas as interrupções. No meio disso tudo, um verão inesquecível... ou dois.
    Carlos, gostaria um dia ler um post seu sobre o excepcional "O sol é para todos" citado em seu texto. É um filme simples, porém impressionante em sua mensagem e interpretações, além de possuir uma atmosfera sombria e estranhamente bela.
    Um diretor menos conhecido, com alguns filmes inesquecíveis... parabéns pela escolha do tema.

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