20.2.11
Postado por
Sávio Hackradt
Por Vinicius de Moraes
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– "Convençam-no" do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
Estação Música Total
Últimas do Twitter
Arquivo
-
▼
2011
(1394)
-
▼
fevereiro
(97)
- Greve na Petrobrás no RN e na BA a partir de segun...
- Proporção de adolescentes pobres supera média da p...
- Gente e voluntariado: esse samba da pé
- Mobilização contra a exploração sexual de menores
- Estudo da ONG Ação Educativa e do Instituto Paulo ...
- Despesa com juros em janeiro é maior que um ano de...
- Rodolfo Alves em 1.400 caracteres
- ONG internacional denuncia cerco ao Blog do Carlos...
- A pressão das ruas e o esforço que Micarla faz par...
- Belluzzo sobre relatório dos EUA: É a autópsia do ...
- Um caderninho precioso
- O desemprego bate a nossa porta
- Grandes cidades têm 23.973 crianças de rua; 63% vã...
- 1 branco é morto no País para cada 2 negros
- Emanoel Barreto em 1.400 caracteres
- A luta pela valorização do trabalho sob novas circ...
- Plantação de transgênicos avança no Brasil e cresc...
- Prévia da inflação de fevereiro é recorde em 8 anos
- Claudio Porpino em 1.400 caracteres
- Futuro embriagado
- Eduardo Dias em 1.400 caracteres
- A cada 2 minutos, 5 mulheres espancadas
- A menor cidade do Brasil tem a maior participação ...
- Dilma: presidência e Divórcio!
- Viciados em crack ficam mais tempo presos do que e...
- Elaine Vládia em 1.400 caracteres
- O Operário em Construção - Poema de Vinicius de Mo...
- 20 anos do Memorando Summers
- Claudia Santa Rosa em 1.400 caracteres
- O Caminhar, o coentro e a exclusão
- Oficina de Danças Circulares dos Povos
- Protestos na Líbia deixam 84 mortos e a internet f...
- Louise Marinho Vasconcelos em 1.400 caracteres
- "Jornal da Cultura" critica Estado ao vivo
- Soraia Vidal em 1.400 caracteres
- Com bom humor belgas comemoram 249 dias sem governo
- Você é o que você digita
- Cuidado, jornalista: criticar pode dar cadeia
- Vamos reconstruir o Sebo Cata Livros
- Suebster Néri em 1.400 caracteres
- Acesso à internet via Skype
- Stéphane Hessel, o embaixador da indignação
- Em 2010, 44 jornalistas foram mortos no mundo
- Myrianna em 1.400 caracteres
- Guilherme Leão em 1.400 caracteres
- Síria condena blogueira a cinco anos de prisão
- Sobre marketing nas redes sociais
- O último ano do Twitter? O passarinho azul subiu n...
- Suelen Lobato em 1.400 caracteres
- Kallyna Kelly em 1.400 caracteres
- Dois poemas de Diva Cunha
- Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço
- Brasileiro bebe 24,4 litros de álcool por ano
- A voz da liberdade - A música da revolução egípcia
- Fábio Farias em 1.400 caracteres
- Carta-Poema de Miguel Cyrillo, enviada ao amigo ...
- Portal Domínio Público já reúne 187.533 obras digi...
- Haroldo do Vale em 1.400 caracteres
- Reservas internacionais do Brasil atingem US$ 300 ...
- Congressista americano renuncia após 'flertar' na ...
- Ao acusar golpe no PSDB, Serra ameaçou até sair do...
- Poema de Myriam Coeli
- Especialista em comunicação aborda Relações Públic...
- Marcos Alexandre em 1.400 caracteres
- Oito anos depois, Wilma ainda olha pelo retrovisor
- Austríaca que passou 8 anos em porão se ressente d...
- Dilma está mais preparada para investigar ditadura...
- Modesto Neto em 1.400 caracteres
- Epidemia de violência no Nordeste, enquanto Rio av...
- George Câmara: o vereador do ano de 2010
- A diferença de visão política entre Rosalba e Gari...
- Estimativa para inflação oficial chega a 5,66%, di...
- Carlos Emerenciano em 1.400 caracteres
- Senadora propõe greve de sexo até formação de governo
- Futuro dos jornais: O desafio da credibilidade
- Hegemonismo, a doença infantil do petismo
- Dianna Gurgel em 1.400 caracteres
- Casciano Vidal em 1.400 caracteres
- Você é bom, mau ou feio?
- Lebre por Gato
- O apagão e o poder das redes sociais
- O casal encrenca da Câmara
- Noam Chomsky: A verdadeira preocupação dos EUA não...
- Moda deve movimentar R$ 136 bilhões em 2011
- O Baú da Felicidade
- Poema de David de Medeiros Leite
- Josângela em 1.400 caracteres
- Taxista brasileiro que imita Michael Jackson é suc...
- Luiz Ignácio Maranhão Filho - 1921-1974
- Marcos Dantas em 1.400 caracteres
- Para "Economist", pré-sal pode ser a chance para B...
- No tempo de "doutor" Vingt Rosado
- Carlos Alberto Junior em 1.400 caracteres
- João Brant: por que e como se limita a propriedade...
- PH em 1.400 caracteres
- Mulheres são maioria fora da escola e do mercado d...
- Lidiane Mary em 1.400 caracteres
-
▼
fevereiro
(97)
0 comentários: