6.4.12
Postado por
Sávio Hackradt
O
Brasil pode estar desperdiçando uma oportunidade única de fortalecer o chamado
“soft power” no cenário internacional, com impacto positivo na sua economia,
aproveitando o corrente interesse por sua produção cultural.
Fonte:
Correio do Brasil
Essa
é a opinião de especialistas ouvidos pela BBC Brasil, que dizem que esse
interesse tem aumentado nos últimos anos, em parte pela projeção do país como
nova potência econômica, mas também turbinado por ações isoladas de setores
ligados ao governo e de grupos privados.
Enquanto
o governo instala bibliotecas de fronteira e incentiva o lançamento de
escritores brasileiros em outras línguas, agentes privados levam ao exterior
eventos antes só disponíveis no Brasil, caso do festival Back2Black, uma das
mais de dez grandes atrações brasileiras a desembarcar em Londres até os Jogos
Olímpicos.
Mas
especialistas alertam: se estas iniciativas não forem coordenadas e
representarem uma estratégia deliberada, os benefícios que a crescente economia
brasileira teria por meio da exportação e poder de sedução de seus valores – o
chamado soft power – podem ser limitados.
“Soft
Power” é um conceito elaborado pelo professor norte-americano Joseph Nye para
definir a capacidade de países influenciarem relações internacionais e
intensificarem trocas comerciais através da sedução de produtos como filmes,
música, moda, mídia e turismo. A economia dos Estados Unidos, por exemplo, se
beneficia da ampla exposição de seus produtos por meio dos filmes de Hollywood.
O
termo se contrapõe ao chamado “hard power”, que define ações militares e
bloqueios comerciais, por exemplo. ”O Brasil exerce naturalmente o soft power”,
diz Nye em entrevista à BBC Brasil. “Se você observar a cultura brasileira e
seu impacto, verá que a imagem do país é originalmente positiva, mesmo antes do
avanço econômico recente. Pode ser que isso tenha a ver com o futebol, mas o
fato é que há uma percepção de que o Brasil lidou bem com questões caras a
outros países, como a racial. Ou seja, é portador de valores como tolerância. E
isso é importante”, resume.
Mais
artistas brasileiros
Nye
e outros especialistas alertam para o fato de que, para funcionar, o soft power
requer capacidade de articulação entre agentes públicos e privados, o que
muitas vezes pode exigir a criação e uma entidade específica.
"Não
é essencial, mas ajudaria muito. O British Council (órgão de promoção da
cultura britânica no exterior), por exemplo, é muito bem sucedido e prova que
não é preciso gastar muito, mas apenas coordenar ações, para se obter grande
impacto", exemplifica Nye, antes de lembrar que os setores cultural, de
mídia e de entretenimento tendem a ser os primeiros a se beneficiar. "Mas
isso depois se espalha por toda a economia".
Além
da Grã Bretanha, países como França, com a Aliança Francesa, Alemanha, com o
Instituto Goethe, e a emergente China, com o Instituto Confúcio, optaram por
este tipo de organização. ”É preciso notar, porém, uma diferença histórica. Os
poderes coloniais montaram estas instituições quando estavam em declínio e
precisavam aumentar trocas comerciais. O caso do Brasil é diferente, porque o
país está em ascensão”, pondera o professor de História Econômica da América
Latina Colin Lews, da London School of Economics.
"Como
o país está mais afluente e confiante, há uma pressão natural por
institucionalizar a ação de soft power. E, de fato, é preciso haver um espaço
institucional. O Itamaraty sempre teve uma postura independente – até mesmo dos
governos, civis ou militares – e sabia onde queria ver o país. Mas agora a ação
brasileira se tornou mais extracontinental", diz Colin.
O
crescimento da procura por produtos brasileiros no mercado internacional de
arte e entretenimento é claro. “Há mais artistas vindo do que nunca. Neste ano,
há eventos com brasileiros em todos os grandes centros culturais britânicos”,
sublinha Jude Kelly, diretora artística do gigante Southbank Centre, à beira do
rio Tâmisa, em Londres.
Com
nove viagens ao Brasil carimbadas no passaporte, Kelly promoveu há dois anos um
festival de um mês integralmente dedicado a mostrar “como a cultura brasileira
está sendo usada para transformar comunidades”. Neste ano, o Southbank sedia o
espetáculo “Hotel Medea”, que Kelly assistiu no Festival Internacional de
Edimburgo do ano passado, e a instalação “aMAZEme”.
‘Nova
Bossa Nova’
Envolvido
há quase duas décadas com produções teatrais no Brasil e na Grã-Bretanha, o
produtor inglês Paul Heritage diz que, no passado, levava mais ingleses ao
Brasil do que o contrário. Hoje, diz, há interesse e movimentação semelhante –
e crescente – nos dois lados.
"O
Brasil tem que aproveitar este momento. O país tem usado com sucesso uma
tecnologia social das artes muito particular. O Ministério da Cultura investiu
muito nas redes e criou um mercado alternativo ao capitalismo que vem ajudando
as comunidades. E esta tecnologia, única, pode ser exportada. A Inglaterra, por
exemplo, não tem", diz Heritage. "Esta tecnologia social das artes é
a nova Bossa Nova", compara o produtor, responsável pela vinda de grupos
como o Afro Reggae, Galpão e Nós do Morro à Grã-Bretanha.
Para
Heritage, a área cultural do Itamaraty não está afinada com o crescimento da
demanda por produtos artísticos do país. “É preciso mais coordenação, porque em
um mundo de poucos recursos, é necessário haver mais diálogo. Está na hora de
criar um novo órgão. O British Council, por exemplo, une forças”, exemplifica
Heritage.
Organizadora
do festival Back2Black, que há duas edições vem estabelecendo a ponte entre a
música brasileira e seus semelhantes na África e nos Estados Unidos, Connie
Lopes concorda com o colega britânico. ”É a hora de o Brasil ter seu instituto
cultural permanente para representar interesses e divulgar valores que são
comungados por artistas, produtores e empresas que apoiam estes eventos. Nós,
de forma geral, nos articulamos, mas seria bom uma ação coordenada”, pontua
ela, à frente do segundo festival brasileiro a chegar ao exterior – o primeiro
foi o Rock in Rio, com versões em Portugal e na Espanha. “A partir da gestão do
Gilberto Gil no Ministério da Cultura, o setor se profissionalizou muito e
requer nos níveis de organização”, defende.
O
Itamaraty não nega que a conjuntura mudou. “Há espaço para interação (entre
agentes econômicos e poder público) mais lógica, sim. Não há uma unidade”,
reconhece o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Tovar Nunes da
Silva. “Mas não necessariamente haverá um novo organismo, especificamente
destinado a cuidar das ações de soft power”, adianta.
Nunes
da Silva afirma que o Brasil é o único país emergente que “só tem soft power”.
“Optamos conscientemente pela não militarização. Basta ver que somos um dos
poucos países do mundo em que o herói nacional é um diplomata (Barão do Rio
Branco) e não um general. Não temos escolha, nossa história é de soft power”.
‘Ocidental
plus’
O
porta-voz cita organismos como os Centros de Estudos Brasileiros e a Agência
Brasileira de Cooperação como exemplos de institucionalização do soft power. No
entanto, defende diversidade na condução das ações públicas e privadas. “Somos
um país ‘ocidental plus’. Ocidental não é suficiente para classificar o Brasil.
Os modelos dos países desenvolvidos talvez não satisfaçam esta alma meio solta,
que é parte do que somos. Há um processo de sofisticação que talvez demande que
este país seja representado de mais de uma forma. Não há um kit Brasil”, diz.
Em
meio ao crescimento constante da procura por produtos (muitos dos quais
culturais) brasileiros na Grã-Bretanha, o embaixador Roberto Jaguaribe concorda
com Nunes da Silva. O diplomata diz que a imagem brasileira está mudando “do
alegórico, festivo, para o da potência econômica, ambiental, democrática e
capaz de incluir socialmente”. “No entanto, pessoalmente acho que uma organização
específica não é a melhor forma de articular esforços. Buscar homogeneidade em
tudo limita um universo mais amplo de representação”, reforça.
"Sem
uma instituição, de fato há mais diversidade", concorda o professor Colin
Lewis, da London Schoool of Economics. "Mas corre-se o risco de se perder
o foco".
Além
da Grã-Bretanha, onde, segundo Jaguaribe, há crescimento do interesse pela
produção brasileira nos últimos 20 anos, as artes brasileiras são destaque na
Alemanha, na Colômbia e em Nova York, onde o Sesc acaba de assinar um acordo
com o selo Nublu e o festival Globalfest para garantir destaque permanente a
artistas brasileiros no evento, que acontece todo mês de janeiro. Acordos
também estão sendo fechados no Leste Europeu e na Ásia, sempre com ação pública
e privada.
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