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Sávio Ximenes Hackradt

11.5.12


CINEMA

Por Carlos Emerenciano (@cemerenciano)

Imaginem a situação: um jovem médico utiliza-se de técnicas terapêuticas ainda não referendadas pela comunidade científica internacional. Começa, então, a tratar de uma paciente esquizofrênica e histérica, que sofre de distúrbios de origem sexual, e termina por se envolver com ela. E mais: a paciente sofre de uma espécie de prazer masoquista, sendo, portanto, apreciadora de umas tapas durante o sexo. O jovem, instigado por sua bela e histérica paciente, não se faz de rogado e aplica-lhe, sempre que pedido, umas boas tapas, distribuídas ao gosto da “cliente”.

Lendo o relato acima que, se não fossem as mal traçadas linhas, mais se parece com uma história do genial Nélson Rodrigues, creio que a maioria dos leitores e leitoras devem ter repudiado o comportamento do médico. Certamente, consideraram o jovem, no mínimo, antiético, ao não manter uma distância recomendável entre médico e paciente. Alguns, estimulados pelo fato de se tratar de alguém que não segue os padrões já estabelecidos pela medicina tradicional, devem ter concluído, inapelavelmente, por ser o sujeito um charlatão. Um enganador que abusa da boa-fé dos seus pacientes. Seguindo adiante, outros devem ter ido além, julgando o médico como um monstro, um pervertido sexual, comparável aos pedófilos, tendo em vista que se envolveu com alguém debilitada psicologicamente, diante de sérios transtornos mentais. E, ainda por cima, um covarde que espanca mulheres. Um trágico futuro lhe estaria reservado se ele fosse preso por tais condutas. Dificilmente os seus companheiros de cela o perdoariam.


Nem tudo, porém, é o que parece. Ou melhor, pouca coisa nesse mundo (ou nada) corresponde exatamente ao que a gente vê. A história relatada acima, pintada com cores fortes, com os aspectos negativos devidamente realçados, ocorreu com o médico e psicanalista suíço Carl Gustav Jung e a sua paciente à época Sabina Spielrein. E por que nem tudo é o que parece? Graças aos métodos psicanalíticos desenvolvidos por Sigmund Freud e Jung e aplicados pelo suíço (no lugar dos terríveis e ineficazes tratamentos de então com base em descargas elétricas nos corpos dos pacientes), Sabina Spielrein pôde superar seus traumas e se tornar uma brilhante e consagrada médica. Uma das primeiras psicanalistas da humanidade. A russa Sabina, para quem desconhece, voltou os seus métodos psicanalíticos para o desenvolvimento da educação infantil. A instituição educacional que criou em Moscou, chamada de “Berçário Branco”, tinha como principal finalidade o amadurecimento crítico e analítico de crianças. Perseguida por Stálin, por suas ideias libertárias, Sabina foi morta em 1936, vítima da política repressiva do regime comunista, intitulada como “grande terror”. 

Ou seja, nem Sabina era uma incapaz intelectual e, portanto, teria sido perversamente abusada por Carl Jung, nem este foi o monstro propositadamente pintado no início de nossa conversa. Pelo contrário. O tratamento de Jung acendeu a centelha criativa naquela jovem, amordaçada por traumas de infância e vista como louca. Na época, o método psicanalítico, ainda incipiente, mostrava-se muito mais perigoso do que nos nossos dias, diante do seu ineditismo e da falta de parâmetros que pudessem nortear o comportamento do médico diante de seu paciente. A entrega de Jung à cura dos males que atormentavam Sabina e o nítido interesse da jovem pelo médico, terminaram por envolvê-lo. A julgar pela história da russa, de interna numa clínica para tratamento de doentes mentais à respeitada psicanalista, presumo que ela possuísse o mais irresistível e sensual dos requisitos femininos: uma singular inteligência. Ficou difícil para o médico resistir a tentação.  

O filme “Um método perigoso” (A Dangerous Method/ 2011, direção: David Cronenberg) trata não apenas dessa intrigante relação entre essas duas personagens históricas, como também a insere no contexto do movimento psicanalítico, de suas descobertas e dos naturais conflitos surgidos. E aí aparece a figura de Sigmund Freud (Viggo Mortensen), no início orientando a aplicação das técnicas psicanalíticas por Carl Jung (Michael Fassbender) e depois se afastando do jovem, por não concordar com os caminhos por ele enveredados.

O filme, com excelente ambientação histórica, mostra a Europa do início do século XX, um pouco antes do advento da 2ª Guerra Mundial e serve como um roteiro para quem quer conhecer um pouco mais sobre o rico e intrigante universo da psicanálise. Se os caros leitores quiserem ir além, principalmente em relação a Sabina Spielrein, sugiro que assistam a “Jornada da alma” (The Soul keeper/ 2003). Um belo filme sobre essa mulher notável e o seu relacionamento com Jung. Se quiserem conhecer mais sobre o pai da psicanálise, recomendo “Freud além da Alma” (The Secret Passion/ 1962), esplendidamente interpretado por Montgomery Clift, em filme dirigido por John Huston.

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